“Não tenho mais prazer na vida/ não pretendo mais amar/ o meu destino é esse/ meu consolo é chorar”

 

Ao compor os versos acima, José Ribeiro, 89 anos, relatava o “Martírio sem fim” de uma desilusão amorosa. Mas as palavras da música se encaixam em sua atual situação e na de muitos outros idosos . Foram esquecidos ou abandonados por familiares nos asilos das cidades. A maioria dos moradores de lares para idosos e asilos não recebem mais visitas de parentes.

José Ribeiro ou, como é chamado artisticamente, Zé Boró, não se lembra do último encontro com um familiar. Está há um ano e dois meses no Lar São Vicente de Paulo e nunca recebeu visitas. Diz que já foi casado e tem uma filha. “Deve ter uns 25 anos. Mas não sei onde está. Ficaria feliz se a visse.” A perda de contato ocorreu aos poucos. José sempre foi artista. Ainda hoje, ostenta no quarto, pregado na parede, um cartaz anunciando seu show. “O rei da moda campeira”, “Filho do inventor da música sertaneja” e “Sozinho canta com duas vozes em perfeito dueto” são algumas das características apresentadas.

Viajava com circos e parques por todo o país. Casou, teve a filha, mas o relacionamento terminou. Foi se afastando e nunca mais viu a herdeira. Agora, se apega às amizades feitas no lar e à música, que faz questão que todos ouçam. De vez em quando, faz apresentações para toda a turma. “A princípio, não queria ficar. Mas gostei e agora tenho muitas amizades aqui. Gosto de todo mundo.” O esquecimento ocorre por causas diferentes. Pode ser involuntária, como em casos em que não há mais parentes próximos vivos. Ou deliberada, quando os idosos são abandonados pelos familiares. Esse abandono pode vir aos poucos, com a internação e posterior diminuição das visitas. Ou pode ser de repente.

Outro caso de abandono ocorreu no ano passado. Um morador de Mirassol, de 79 anos, foi deixado no hospital- lar Nossa Senhora das Graças. Maria Conceição, 82 anos, não precisou ser levada. Há 20 anos, por conta própria, saiu da casa de um irmão e foi para um asilo. Nunca recebeu a visita dele ou dos sobrinhos. “Isso me deixa muito triste. Gosto muito daqui, mas não é igual a família da gente. Acho que fico mais doente por causa disso”, diz emocionada.

Ela não se casou nem teve filhos. Sempre gostou de ser livre. Mas não esperava pelo abandono. Os sentimentos decorrentes do esquecimento são diversos. Mistura revolta com desilusão. “Quando a gente envelhece, fica mais sensível, quer companhia. Me pergunto, será que não tinham amor por mim? Quando morrer, não quero que avisem ninguém.”